segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

domingo, 30 de dezembro de 2007

Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX(I)

Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva.”

É desta forma que Almada-Negreiros dá início, há precisamente 90 anos, ao seu «Ultimatum Futurista».

Artista e escritor polifacetado, José de Almada-Negreiros nasceu a 7 de Abril de 1893, em S. Tomé e Príncipe, e morreu a 15 de Junho de 1970, em Lisboa.

Publicou o «Ultimatum» a 17 de Dezembro de 1917 no número único da revista "Portugal Futurista" mas, como o mês de Dezembro só termina amanhã, entendi que ainda está dentro do prazo para assinalar o nonagésimo aniversário da sua publicação.

O texto está impregnado do espírito Futurista, que se iniciara em 1909 com o manifesto de Filippo Tommaso Marinetti publicado na revista Le Fígaro.

Após a sua leitura terão oportunidade de constatar o quanto ele está actualizado. Mais, o quanto as suas palavras são intemporais.

Estive tentado a colocar aqui o texto integral do ULTIMATUM FUTURISTA de Amada-Negreiros. Mas, por dificuldades que se prendem com direitos autoriais, resolvi mudar de estratégia e colocar um ‘link’ que permitirá aos meus digníssimos visitantes ter acesso ao referido documento – excelentemente apresentado por uma belíssima introdução a qual, confesso, traduzindo o meu pensamento eu não conseguiria fazer melhor. Há males que vêm por bem.

Para ler o texto na integra basta clicar aqui ou na imagem seguinte:

"Auto-retrato com Boné", óleo sobre tela
de Almada-Negreiros, c. 1927

Ao soarem as 12 badaladas, assinalando a passagem do ano, beberei uma tacinha de espumante à memória de Almada-Negreiros.

Um voto de esperança no FUTURO.
L.P.

sábado, 29 de dezembro de 2007

MAGIA!...

O Texto que se segue é apenas uma singela, mas merecida, homenagem à minha querida amiga Paula Estela (que seguramente me vai dar uma grande tareia depois deste meu arrojo).

Há uns meses atrás – em Maio de 2007 – visitei e comentei o seu blogue (http://assim_sou_eu.blogs.sapo.pt/) sob o apelido de joca – recomendo a todos que visitem porque vale a pena. Até hoje a Paula não sabia quem era o joca (desconfiava, acho eu, pela maneira de escrever, mas não sabia. Não é para me gabar mas guardar segredos é comigo).

Após uma longa troca de palavras a Paula desafiou-me a colocar um poema no seu blogue. Aceitei o desafio.

Porque o tema é MAGIA, e porque desejo a todos um ano 2008 MÁGICO, transcrevo o comentário que coloquei no blogue da Paula:

«Pedes-me um poema mas eu não sei poetar.
Para tal é necessário ter um coração selvagem, indomável e o meu, coitado, há muito que foi domado pela malvada 'razão'. Pobre coração sensível subjugado pelo carrasco racional. Uma tristeza, enfim.

Mas sugeres-me, igualmente, que posso deixar 'algo' escrito, se quiser. Ora 'algo' é coisa que está mais ao alcance da minha escrita prosaica.

Então, sem querer protagonizar mais um momento de inquietação enigmática, deixo-te estas singelas palavras. 'Algo' simples mas tão carregado de sentimento quanto o meu 'algoz' mo permitiu:

Paula,
Encanta-te a magia?
Óptimo…
Então contenta-te com extasiar-te na contemplação dos seus mistérios…
Não queiras saber como se processam todos os truques de magia pois eles perderão o encanto para ti…
A magia perde-se quando conhecemos o seu truque, a sua técnica.
Magia é dúvida, é sonho, é desconhecido, é aventura, é atrevimento, é um eterno devir;
É potência criadora, acto contínuo, dialéctica racional, emoção desgovernada;
Magia é tudo, é nada, tudo que nasce de nada, o nada em que tudo acaba…
Se não soubermos gozar a magia como ela é e deixá-la onde ela está…
Lá, entendes-me? lá… Se não soubermos, perdemo-la!
A magia deve estar e ser – para não se perder – intocável, insondável, inquestionável…
A magia goza-se, é gozo, é espanto, é surpresa, é medo, é receio, mas é também temeridade, audácia, arrojo, imprudência…
A magia vive-se, é vida, é prazer, é êxtase, é enlevo, é transe, é arroubo de paixão…
Assim és tu… magia perdida… magia renascida…
… MAGIA …»

Agora que revelei a verdadeira verdade (salvo o pleonasmo) à minha amiga Paula Estela, concluo com um desejo. Um enorme desejo:

Que as 00:00 horas do ano 2008 constituam o renascer profícuo da MAGIA no coração de TODOS NÓS.

BOM ANO MÁGICO – 2008


L.P.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Mãos que não dais, o que é que esperais?!...

Está a chegar ao fim o último mês do ano: Dezembro – o mês do Natal. É seguramente o mês mais desejado por todos nós. O ambiente nas ruas não deixa ninguém indiferente. É, por isso, normal que a nossa memória nos traga ao presente recordações do passado.

Há dias, enquanto conversava com os meus pais (que me visitaram para os baptizados da minha filhota Leonor e do meu filhote Leonardo) recordamos algumas peripécias da minha infância.
Uma das histórias mais engraçadas passou-se há muitos anos, embora o protagonista tenha sido o meu irmão. Foi há trinta e poucos anos, por alturas do Natal.

O meu irmão estava naquela idade de teimar que o Pai Natal não existe e eu, agora que penso nisso, sinceramente, nem me aquecia nem me arrefecia, ou seja, não estava nem aí. Vindo as prendas, ficava agradecido e tanto se me dava que as tivesse trazido o Pai Natal ou a Mãe Natal ou a minha mãe ou o meu pai. Tanto se me dava. E se não houvesse prendas também não me afectava. O Natal para mim, mais do que as prendas, era o cheiro do musgo que íamos apanhar ao mato para fazer o presépio; o pinheirinho que escolhíamos e que ao ser cortado largava aquele aroma agridoce da resina fresca e jovem; era o boneco de neve que fazíamos nos campos – por esta altura eu morava em Figueira de Castelo Rodrigo e garanto-lhes que nevava todos os anos pelo Natal – e as boladas de neve que atirávamos uns aos outros no meio de uma algazarra de gargalhadas infantis e inocentes – e algumas imprecações, também, quando alguma bola de neve nos atingia em sítios menos agradáveis –; era o cepo enorme que ardia durante mais de uma semana na eira e à volta do qual todos os vizinhos se juntavam para confraternizar, de noite ou de dia; numa palavra o Natal era, para mim, ALEGRIA E SOLIDARIEDADE.

Naquele ano o meu irmão (mais velho do que eu vinte e sete meses) cismava com a minha mãe que o Pai Natal não existia, que eram os nossos pais que punham as prendas, etc. Andava mal-humorado, desobediente, preguiçoso, refilão. Eram coisas que ele ouvira lá na escola. E não queria fazer figura de parvo ele ‘com aquela idade’ acreditar no Pai Natal quando ‘todos sabiam’ que isso era ‘balela de crianças’.

A minha mãe avisava-o: – Olha que Jesus castiga-te!
Mas ele não fazia caso. Sabia a verdade e pronto. A verdade é que, apesar de toda essa sua nova crença, o meu irmão fez a sua lista de pedidos ao Pai Natal, tal como eu e como nos anos anteriores. Mistérios!... Pois se não acreditava nele, porque lhe endereçou o pedido?! Coisas de crianças…

Na noite de consoada, como todos os anos, deitamo-nos cedo pois não tínhamos o hábito de ir à Missa do Galo. Queríamos era que ele (o galo) se deitasse cedo também, para que madrugasse a cantar a alvorada dando-nos o sinal de que podíamos ir ver as prendas que o Pai Natal nos trouxera. Coisitas sem grande valor, mas prendas de enorme importância. A importância que nós tínhamos para alguém que vinha de tão longe de propósito para nos dar algo, em nossa casa. Em nossa casa, reparem bem, em nossa casa. O Pai Natal não passava pela multidão e atirava as prendas à rebatinha! Não! Ele vinha à nossa casa de propósito para nos entregar as 'nossas' prendas. Essa era a importância, esse era o valor: o da nossa existência.

Não me lembro quais foram as minhas prendas nessa madrugada de Natal. Mas lembro-me da prenda do meu irmão. E ele lembra-se também. Pudera!... Uma cebola! Isso mesmo, uma cebola no sapato! E sem direito a embrulho. Pintou o diabo. Chorou, refilou, atirou com a cebola ao chão com violência, batia o pé, e chamava a minha mãe de 'Má!’ e esta, com a sua calma habitual, esperou que se ele acalmasse e disse-lhe assim:

– Olha, meu filho, eu avisei-te. Eu disse-te que Jesus te castigava por não acreditares no Pai Natal. Não me deste atenção e desrespeitaste O Senhor com a tua arrogância. Há um ditado que diz: “Mãos que não dais, o que é que esperais?”.

O meu irmão passou a dar mais ouvidos à minha mãe e a receber de novo prendas no Natal.

Desta lição eu concluo que devemos estar sempre dispostos a dar o melhor de nós sem olharmos a quem. A alegria do nosso semelhante, proporcionada pelas nossas acções, é a melhor dádiva de Deus para nos retribuir...
Desejo a todos um Santo e Feliz Natal
L.P.

sábado, 15 de dezembro de 2007

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Bit Car

Após 14 anos a rumar diariamente à cidade do Porto para trabalhar (e mais 3 na Capital, Lisboa) começo a ficar cada vez mais convencido de que o Mundo vai acabar à Estalada.

As pessoas amontoam-se em grandes aglomerados urbanos atraídos como que por uma irresistível força invisível. Automóveis de alta cilindrada, capazes de atingir velocidades fenomenais de 250 km/h, ficam horas parados ou movendo-se a passo de lesma nas artérias das cidades devido ao congestionamento do tráfego. Os transportes públicos circulam vazios (ou quase) já que é mais cómodo o transporte privado. É que, nos dias que correm, sinal de pobreza não é não ter pão em casa para comer: é não ter carro próprio para levar para o trabalho. O stress toma conta dos citadinos. Impera a anomia social. Por dá cá aquela palha as pessoas insultam-se umas às outras.

Para obviar a esses inconvenientes, Franco Vairani e o MIT – Massachusetts Institute of Technology, desenvolveram um minúsculo e original concetp car capaz de resolver alguns problemas de tráfego nas grandes cidades (e nas pequenas também): o Bit Car.
É um pequeno veículo eléctrico, de dois lugares, que se encarta como os carrinhos de bebé e arruma-se como os carrinhos de supermercado.

Colocados em pontos estratégicos das cidades, como Interfaces Rodoviários, Estações de Metro ou Comboio, Portos e Aeroportos, Centros Comerciais e Hipermercados, Parques de Lazer e CBD – Central Business District (comummente conhecido por “Baixa”, nas nossas cidades) seriam uma enorme ajuda para diminuir a entrada de veículos particulares nas cidades e reduzir (ou eliminar completamente) o congestionamento do tráfego citadino.
É só entrar no veículo que estiver mais próximo, introduzir um cartão de crédito ou débito e arrancar.


Clique na Imagem abaixo e observe um pequeno Video para ver se fica convencido(a).

(Interior do Bit Car)

Espero que estas pequenas maravilhas cheguem a Portugal antes de me reformar. É que à estalada não me safo!...
L.P.

P.S.: Imagens e autorização gentilmente cedidas por:
Franco Vairani
Massachusetts Institute of Technology
77 Massachusetts Ave.
Room 10-491M
Cambridge, MA 02139
USA

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

A janela do Hospital…

Num hospital do interior do país havia dois pacientes incapacitados que partilhavam o mesmo quarto. Um deles a rondar os trinta e cinco anos e o outro, mais jovem, com doze anitos apenas.

O mais velho fora ali parar após um acidente de Mota que o paralisara da cintura para baixo e há sete meses que estava naquele quarto de hospital.

O mais jovem sofria de asma e ficara tetraplégico após uma meningite que por pouco lhe não ceifou a sua jovem vida e era o locatário mais antigo do hospital. Há ano e meio que dera entrada nas Urgências daquela unidade hospitalar e o seu débil estado de saúde não lhe permitira ainda regressar ao seu lar, para junto dos seus pais e irmãos.

Ambos eram sobejamente conhecidos em todo o Hospital por razões diversas. Tinham feitios bastante peculiares mas completamente opostos. O mais velho era irascível e grosseiro ao passo que o jovem era alegre e portador de um coração extremamente bondoso.

Como estava ali há mais tempo, o jovem ocupava a cama junto à janela o que lhe proporcionava uma vista parcial para o exterior. E como era bondoso ia relatando tudo o que via ao seu companheiro. Este, no entanto, nunca se mostrava contente com nada do que lhe contava o jovem.

Se eram crianças que jogavam à bola ou à cabra-cega, ele achava que havia coisas muito mais úteis que eles deviam fazer, como guardar cabras; se lhe contava como dois jovens apaixonados se beijavam e se mimavam um ao outro num banco de jardim, ele achava tudo aquilo uma pouca-vergonha, um atentado ao pudor, etc; se era uma criança que ajudava o pai a pintar a fachada da casa, ele achava que era uma exploração de trabalho infantil e que o fulano devia ser denunciado às autoridades; se era um jovem que brincava de bicicleta enquanto o pai serrava lenha para aquecer a família nas noites frias de Inverno, ele achava que os ‘putos’ de agora são mas é uns mandriões e que não ajudam os pais nas tarefas domésticas; enfim, tudo o que lhe contava o jovem merecia críticas ferozes da sua parte.

Mas o que é um facto é que ele não só gostava daquelas histórias como precisava delas como do pão para a boca, embora o não demonstrasse. As críticas eram só o seu mau feitio a falar, a inveja que o corroía por não poder estar no lugar dos protagonistas. Quando o seu jovem companheiro estava muito tempo calado, a olhar para o exterior da janela com ar pensativo e triste, ele desafiava-o:

― Então, hoje não há namoradinhos?! Não há ‘ramelanço’?! E os putos? Hoje não jogam à bola?! Não há acrobacias ciclisticas?! Ah! se eu lá estivesse… eu é que lhes ensinava como é que se joga à bola… Como se faz um looping de bicicleta… Algum dia viste alguém fazer um looping de bicicleta?! Não, claro que não, são todos uma cambada de medrosos… E à gaja… eu dizia-lhe a ela… ia ver o que é um homem a sério e como se dá uma … à maneira…

E o pequeno para o não ouvir, começava a conta-lhe o que via: Um jardim muito bonito, com flores lindíssimas que eram tratadas amorosamente pela mais bela ‘princesa’ que ele alguma vez vira…

O mais velho calava-se por momentos – imaginando, talvez, como gostaria de ter essa bela ‘princesa’ nos braços e mostrar-lhe como se fazia, como se dava uma … à maneira – até que recomeçava com os seus remoques mordazes. Tudo para disfarçar a maldita inveja que o corroía.

Certa noite o pequeno teve um ataque de asma violento mas ao tentar carregar no botão de emergência, para chamar a enfermeira de serviço, não o encontrou e acabou por morrer por falta de assistência.

Com a morte do pequeno ficou vaga a cama junto à janela e no dia seguinte ela foi ocupada pelo companheiro mais velho.

Claro que ninguém suspeitava que o miúdo morrera por falta do botão que o seu companheiro de quarto lhe subtraíra o tempo necessário para ele sucumbir ao ataque de asma. Aquele lugar junto à janela tinha que ser seu e o miúdo não dava mostras de melhorar e sair dali. Se ele morresse, ficava com o caminho livre. E se bem o pensou melhor o fez. Uma noite, ao vê-lo cair em sono profundo, escondeu-lhe o botão, voltando a colocá-lo no seu sítio antes que alguém desse pela marosca.

― Finalmente – pensou ele, ao ver-se transferido para a cama junto à janela – vou poder ver com os meus próprios olhos as belezas que estão lá fora. O raio do pirralho já me andava a enervar com as suas lenga-lengas. Sabia lá ele o que é uma bela 'princesa' a sério… ou o que fazer com ela… Finalmente vou poder comer a ‘tua’ bela ‘princesa’, meu lindo… por hora com os olhos, mais tarde se verá!...

Instalou-se confortavelmente, pediu para lhe subirem a cama, recostou-se e, finalmente, com um raro sorriso nos lábios, malicioso, olhou para o exterior da janela com o intuito de regalar a vista.

Mas o que viu produziu nele um efeito mais devastador do que se tivesse sido fulminado por um raio. Nada do que a criança lhe contara correspondia à realidade. Daquela janela não se avistava mais do que um muro coberto de silvas e hera e, para lá dele, campos sem fim de matagais tão virgens como o âmago da Amazónia.

Recordo o que Bertrand Russel, Filósofo, Matemático, Crítico social e Escritor inglês do século XIX, afirmava a propósito da inveja:

“O invejoso, em vez de sentir prazer com o que possui, sofre com o que os outros têm”.

Talvez valha a pena pensar nisto!…
L.P.

3 de Dezembro - Dia Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiciência

Este é um daqueles textos que deviria ser colocado logo às primeiras horas do dia - para não dizer minutos. Confesso que a minha ignorância, nesta como em muitas outras datas comemorativas, contribuiu para o lapso.

Mas, como dizia o meu avô, mais vale tarde que nunca.

Comemora-se hoje, dia 3 de Dezembro, o Dia Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiciência e eu aproveito este espaço para saudar todos aqueles que se preocupam e apoiam com carinho pessoas nessa condição. Foi graças a pessoas assim que, curiosamente, tomei conhecimento da particularidade desta data.

Foi-me oferecido, e à minha família, por jovens da Cercifeira - Santa Maria da Feira, uns trabalhinhos da sua autoria e que eu tomei a liberdade de digitalizar e colocar aqui no meu Blogue. É a minha singela homenagem à sua bondade e um voto de esperaça na igualdade de oportunidades na escola, no trabalho e na integração social.


Feliz Natal a todos...
L.P.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Síndrome do Recém-nascido

Hoje vou falar-lhes da Síndrome do Recém-nascido. Possivelmente apenas alguns amigos meus ouviram falar da doença, já que eu sou o ‘padrinho da criança’. Quanto ao pai, esse somos todos nós, pois trata-se do filho da pua do hábito que os automobilistas portugueses têm de virar a cara para o lado oposto ao do peão que atravessa a passadeira na rua na esperança de, ao não verem o dito, também este o não veja a ele. Execrável hábito, acrescente-se!

Veio-me este assunto à cabeça a propósito de uma brincadeira que a minha filhota de dois anos, a Leonor, tanto gosta de fazer: esconde-se atrás da porta – embora com o corpo completamente à vista – tapa os olhitos com uma das mãos e pergunta, na sua vozita aflautada: – A ‘Lônôoor’? E nós entramos no jogo, fazemos que não a vemos e vamos, ‘muito aflitos’, à procura dela. Uma risota…

É assim também com os recém-nascidos, se lhes taparmos os olhitos eles, deixando de nos ver, pensam que não os vemos a eles também.

Daí eu ter baptizado esta péssima demonstração de falta de civismo por parte dos automobilistas portugueses de Síndrome do Recém-nascido: – Olho para o lado, não o vejo, logo ele não me vê a mim. Quanto engano, quanta estupidez!

A 'doença’ seria de fácil tratamento se não estivéssemos em Portugal. O peão – que vê o automobilista apesar de este imaginar o contrário – ao ser vítima de uma situação dessas tomaria nota da matrícula do automóvel, faria queixa às Autoridades competentes, estas enviariam a ‘receita’ para casa do ‘paciente’ e este iria pagar o ‘medicamento’ solícito e resignado, ciente de que estavam a contribuir para o seu bem estar e o dos seus. Ao cabo de duas ou três reincidências, no máximo, estava ‘curado’ e agradecido.

Mas estamos em Portugal. E não há português que não tenha ‘o rabo preso’, que não tenha culpa no cartório. Em termos de infracções à Lei todo o português é maneta e a mão que lhe resta suja-se com demasiada frequência daí que pense: – Vou acusar aquele palerma e depois outro e mais outro ainda logo à tarde e sei lá mais quantos até ao final da semana, já que estamos em Portugal, e depois quem me ajuda a lavar a minha mão, se sou maneta e uma mão é que lava a outra? Nãaa!... Vou ficar mas é quietinho e esperar pela minha vez. Agora vou a pé, mas logo mais vou ter que ir de carro e aí logo me vingo: se apanhar o fulano faço-lhe a mesma coisa! E se não for a ele é a outro, que dá no mesmo.

Assim se pensa em Portugal: ao contrário, pela negativa. Custa-nos a admitir as nossas culpas, os nossos erros. O mal é sempre dos outros; os outros é que são isto, os outros é que são aquilo e aqueloutro… Eu?! Eu sou um santo… Mentira! Se há um problema ele é causado por ‘nós’ e é por ‘nós’ que deve ser encarado e debelado (não contornado).

Devemos falar dos problemas que nos afligem sempre na primeira pessoa, do plural se forem colectivos. Reparem que não me excluo deste assunto. Sou português e afirmo no início deste texto que “Quanto ao pai, esse somos todos nós”, ora ‘nós’ sou eu também. Mea culpa, mea culpa.

Urge iniciar o tratamento desta maleita pois outras Síndromes muito mais graves enfermam Portugal colocando-nos na cauda da Europa – a 27, já!(?!)
Conto Convosco!...
L.P.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Declaração Europeia do Direito à Cidade

Se se tratasse de uma “Declaração Europeia dos Deveres do Cidadão” de certeza absoluta que me chapavam com ela em todos os locais visíveis dos meus domínios privados e não privados: ela era presa no limpa pára-brisas do carro, ela era na minha caixa do correio – apesar de ter lá estampado o selo amarelo dos correios, advertindo de que não deve ser lá colocada publicidade não endereçada – ela era pregada no placar do Condomínio, no espelho do elevador do meu prédio, enfim, possivelmente até helicópteros ou aviões ligeiros andariam a distribuir panfletos pelas cidades e pelas praias para que nenhum cidadão ficasse por conhecer os “seus deveres”.
Mas não, do que se trata é da Declaração Europeia do Direito à Cidade e que, volvidos quinze anos e alguns meses após a sua aprovação (Março de 1992) pela Conferência Permanente dos Poderes Locais do Conselho da Europa, quase que aposto que permanece desconhecida de mais de 90% da população europeia (em Portugal até mais, cuido eu – não é que eu avalie a ignorância dos outros pela minha, mas palpita-me).

Com a discrição que caracteriza a aprovação de documentos que contemplem direitos para o cidadão e sem a divulgação que mereceria por parte dos órgãos competentes a Declaração Europeia do Direito à Cidade reveste-se de particular importância pois emparceira com outro documento que, na história da civilização ocidental, serviu, meio século antes (1933), de esteio ao pensamento urbanístico de várias gerações: A Carta de Atenas – documento de compromisso, datado de 1933, redigido e assinado por grandes arquitectos e urbanistas internacionais do início do século XX, entre os quais se destaca Le Corbusier.
Humanizada em relação a documentos antecessores a Declaração volve um olhar sobre a totalidade e cada um dos problemas que atingem a Cidade (Sociedade) actual:
Os habitantes das cidades europeias têm direito:
  1. À segurança – a uma cidade pacífica e sem perigos, protegida dentro dos limites que o contexto social admita, contra a criminalidade, a delinquência e as agressões;
  2. Ao trabalho – a perspectivas de emprego que permitam a cada um, de acordo com a sua qualificação profissional, participar na criação da riqueza e usufruir dos benefícios que daí advêm;
  3. Ao alojamento – ao poder escolher num parque habitacional salubre, com uma oferta suficientemente ampla e a um preço razoável, uma casa que assegure tranquilidade e respeito pela privacidade pessoal e familiar;
  4. À mobilidade – a ter liberdade de efectuar deslocações cómodas e sem entraves, consequência de um equilíbrio harmonioso entre os diferentes utilizadores do espaço público;
  5. À saúde – a um ambiente e a um conjunto de equipamentos que garantam o seu bem estar físico e psicológico, a uma envolvente sã e limpa, livre de poluição do ar, da água e do solo, sem agressões acústicas e visuais;
  6. Aos desportos de lazer – ao acesso, sem discriminação de idade, de capacidade ou de nível económico, a uma gama adequada de equipamentos lúdicos;
  7. À cultura – à possibilidade de seleccionar, ter acesso e participar em actividades criativas de âmbito cultural;
  8. À integração multicultural – ou à garantia da coexistência pacífica de comunidades com origens culturais, éticas ou religiosas diversas;
  9. À coexistência harmoniosa das funções urbanas – de forma que a habitação, o trabalho, as deslocações e o acesso a actividades sociais possam coexistir e desenvolver-se em estreitas inter-relações;
  10. À participação – a intervir através de estruturas democráticas numa gestão urbana que se caracteriza pela concertação entre todos os intervenientes, pelo princípio da subsidiariedade, pelo acesso à informação e pelo repúdio de todo o exagero de regulamentação;
  11. A um desenvolvimento económico equilibrado – onde o Poder local chame a si a tarefa de conciliar o incremento da produção com a protecção do ambiente;
  12. Ao acesso a bens e serviços – diversificados e de qualidade, postos à sua disposição pelos poderes públicos, pelo sector privado ou pelos dois conjuntamente;
  13. À fruição das riquezas naturais – geridas pelos poderes locais de maneira racional, eficaz e equilibrada, em benefício de todos os cidadãos;
  14. Ao bem-estar individual – consequente da criação de um ambiente urbano propício à realização pessoal e ao desenvolvimento social, cultural, moral e espiritual de cada um;
  15. À solidariedade – com a garantia, por parte dos poderes locais da extensão destes direitos a todos os cidadãos, sem discriminação de sexo, idade e origem, de crenças, de situação social, económica e política, de incapacidade física ou mental.
  16. A uma envolvente agradável e estimulante – consequência, quer de uma arquitectura contemporânea de qualidade, quer da conservação e reabilitação cuidadosa do património edificado.
Claro que os políticos pensam como o meu avô: «queres ver os teus direitos devidamente satisfeitos? Pois trata de cumprir da mesma forma os teus deveres».
É justo, não?! Então estamos à espera de quê?!
Cumpramos os nossos deveres! Reivindiquemos os nossos direitos! Já!...
Conto convosco!...
L.P.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

No comments!...

1ª página do jornal Metro, edição Porto do dia 12 de Novembro de 2007

sábado, 17 de novembro de 2007

Portugal no Mundo: Centro ou Periferia?!

Enquanto olhava para um mapa representando as relações económicas que se estabelecem entre os diversos países que integram algumas das principais associações comerciais internacionais – APEC; NAFTA; ASEAN; UE; MERCOSUL; G20; CAIRNS GROUP, etc. – apercebi-me que nem sempre a representação tradicional do Mapa-múndi, com o Oceano Atlântico no centro, é a mais correcta.

Analisando, por exemplo, os países que integram a APEC – Asia-Pacific Economic Cooperation (Cooperação Económica da Ásia e do Pacífico) rapidamente chegamos à conclusão que essa representação não é a mais indicada para se perceberem os canais de comunicação entre os associados. Na imagem abaixo podemos ver o Grupo dividido, separado por dois continentes, Europa e África, e pelo imenso Oceano Atlântico, ficando os países de costas voltadas.

Imagem 1 – Países da APEC (Representação tradicional)


Se rodarmos o mapa em 90º (Imagem 2) obteremos uma perspectiva completamente diferente. A Rússia e os Estados Unidos da América que na imagem de cima estão em extremos opostos, na nova representação eles quase que se tocam no Estado do Alasca.


Imagem 2 – Países da APEC (Representação alternativa)

A APEC é constituída por 21 membros que são: Austrália; Brunei; Canadá; Chile; China; Hong Kong; Indonésia; Japão; Coreia do Sul; Malásia; México; Nova Zelândia; Papua Nova Guiné; Peru; Filipinas; Rússia; Singapura; Taiwan; Tailândia; Estados Unidos da América; Vietname.

Apesar de as comunicações marítimas serem particularmente difíceis entre os dois territórios nos pontos que estão mais próximos – Rússia e Alasca (E.U.A) –, devido não só à grande quantidade de ilhas e vulcões presentes nesta zona mas também porque o mar congela no Inverno, não é difícil imaginar a construção de um túnel no Estreito de Bering à semelhança do Eurotúnel que liga o Reino Unido e a França e que passa por baixo do Canal da Mancha.

Na imagem seguinte podemos perceber que não é impossível a prossecução de um projecto da envergadura do Eurotúnel no Estreito de Bering.

Imagem 3 – Estreito de Bering

As observações precedentes estão a ser desenvolvidas num trabalho de Economia que será disponibilizado na página correspondente (associada ao ‘Eclectíssimo’) para consulta dos interessados.

Mas a observação mais curiosa tem a ver com a localização geográfica de Portugal e a sua representação gráfica em cada um dos modelos de mapa acima referidos.

No mapa tradicional, por exemplo (Imagem 1), Portugal surge representado no centro do Mundo o que nos dá a confortável sensação de protecção (será?!). Aparentemente, temos uma localização geográfica estratégica apetecível pelos dois Blocos (quais Blocos?!) e todos terão interesse em nos defender e apoiar.

Também sabemos que as imagens influenciam o nosso subconsciente e julgo que não seria de todo descabido os intelectuais deste país (políticos, geógrafos, psicólogos, filósofos, treinadores de futebol, comentadores políticos, e outros…) analisarem até que ponto a representação do Mapa-múndi da forma tradicional contribui para o estado actual da economia portuguesa.

É que me parece que a importância de Portugal no passado – que nos colocou, de facto, no centro económico e comercial do mundo – junto com esta imagem faz com que os portugueses se deitem à sombra da bananeira, a viver dos créditos passados e à espera que os outros resolvam os seus problemas. Esquecem-se (ou nem lhes passa pela cabeça, sequer) que tudo na vida é relativo e circunstancial. O que para uns é centro para outros é periferia; o que hoje é grande amanhã pode ser pequeno, ou vice-versa. Quantos e quantos julgam ser o centro do universo e não se dão conta que não passam de poeira cósmica?!...

(Fernando Pessoa alertou-nos para a fugacidade dos impérios físicos, pois eles são exauríveis, e a necessidade de criar um império novo e perene, indestrutível: o império do ser, da essência, do imaterial. Que fizemos?! Nada! Dizemos apenas: que bonitas palavras, este homem era um génio!... Vale-nos de muito, se não fizermos nada. Deixo para mais tarde este tema.)

Por isso eu acho que devemos começar a olhar mais para a representação do Mundo como na Imagem 2. Reparem como nessa representação nós passamos do centro do Mundo para a periferia. Qualquer descuido ou erro tipográfico e desaparecemos do Mapa. Se viesse ali pela esquerda um ‘Bicho Papão’ e nos comesse aposto que ninguém dava pela nossa falta (a não ser que tivéssemos cá turistas ingleses a passar férias, claro). Só assim, talvez, os portugueses despertem para a necessidade de meter mãos à obra. Todos sabemos que a necessidade aguça o engenho. Sentindo-nos desprotegidos quem sabe não ripemos dos pergaminhos do passado e partamos para a luta. Os nossos ‘egrégios avós’ aprovariam essa iniciativa e os nossos 'eclectíssimos netos' merecem esse esforço.

Bom fim-de-semana,
L.P.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

EXPANSÃO URBANA

Porque uma imagem vale mais do que mil palavras ofereço-lhes, para reflexão, esta imagem que tão nitidamente nos revela os efeitos nefastos da desregrada Expansão Urbana e fenómenos conexos de Suburbanização, Periurbanização e Rurbanização.

A Expansão Urbana faz parte do Tema III do Programa de Geografia do Ensino Secundário – ponto 3.2.2. – e é estudado no segundo ano do programa – 11º ou 12º consoante o ensino da disciplina se inicie no 10º ou no 11º ano respectivamente.

Convido, por isso, todos os alunos do 11º ou 12º [ano 2] a comentarem e/ou debaterem esta temática, aqui no meu blogue ou noutro espaço que mais lhes agrade, mas façam-no pois os efeitos nefastos decorrentes desses fenómenos são merecedores do vosso envolvimento intelectual.

Conto convosco.
L.P.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Quais são os profissionais mais importantes da sociedade?

Há cerca de um ano e meio comprei alguns livros de um psiquiatra, psicoterapeuta e escritor brasileiro, de seu nome Augusto Cury. Era para mim totalmente desconhecido mas, ao ler a sinopse de um deles na contracapa, fiquei de imediato curioso. Esse mesmo li-o de um fôlego. Só o título prometia. Normalmente eu desconfio sempre desses títulos-manchete apelativos que prometem muito mas não dão nada. Este não foi o caso.

O livro intitula-se “Pais Brilhantes, Professores Fascinantes” e, garanto-lhes, dá-nos muito mais do que promete. É ler para crer. No final do livro o autor conta-nos uma história que eu, correndo o risco de violar os direitos de Copyright (*), transcrevo na íntegra para aqueles que se interessam pelo tema da educação.

(*) A editora (Pergaminho) e o autor permitem o uso do texto da “Grande Torre” para encenação teatral nas escolas, Com o objectivo de homenagear os pais e os mestres, desde que citada a fonte. (N. do A.)

A Grande Torre

«Num tempo não muito distante do nosso, a humanidade de tornou-se tão caótica que os homens fizeram um grande concurso. Eles queriam saber qual a profissão mais importante da sociedade. Os organizadores do evento construíram uma grande torre dentro de um enorme estádio, com degraus de ouro cravejados de pedras preciosas. A torre era belíssima. Chamaram a imprensa mundial, a televisão, os jornais, as revistas e as rádios para realizarem a cobertura do acontecimento.

»O mundo estava de olhos no evento. No estádio, pessoas de todas as classes sociais comprimiam-se para ver a disputa de perto. As regras eram as seguintes: cada profissão era representada por um ilustre orador. O orador deveria subir rapidamente a um degrau da torre e fazer um discurso eloquente e convincente sobre os motivos pelos quais a sua profissão era a mais importante da sociedade moderna. O orador tinha de permanecer na torre até ao final da disputa. A votação era mundial e pela Internet.

»Nações e grandes empresas patrocinavam a disputa. A categoria vencedora receberia prestígio social, uma grande soma em dinheiro e subsídios do governo. Estabelecidas as regras, a disputa começou. O mediador do concurso bradou: “O espaço está aberto!”

»Sabem quem subiu primeiro à torre? Os educadores? Não! O representante da minha classe, a dos psiquiatras.

»Ele subiu à torre e a plenos pulmões proclamou: “As sociedades modernas tornar-se-ão uma fábrica de stress. A depressão e a ansiedade são as doenças do século. As pessoas perderam o encanto pela existência. Muitas desistem de viver. A indústria dos anti-depressivos e dos tranquilizantes tornou-se a mais importante do mundo.” Em seguida, o orador fez uma pausa. O público, atónito, ouvia atentamente os seus argumentos contundentes.

»O representante dos psiquiatras concluiu: “O normal é ter conflitos e o anormal é ser saudável. O que seria da humanidade sem os psiquiatras? Um albergue de seres humanos sem qualidade de vida! Por vivermos numa sociedade doentia, declaro que somos, juntamente com os psicólogos clínicos, os profissionais mais importantes da sociedade!”

»No estádio reinou o silêncio. Muitos na plateia olharam para si mesmos e perceberam que não eram alegres, estavam “stressados”, dormiam mal, acordavam cansados, tinham uma mente agitada, dores de cabeça. Milhões de espectadores ficaram com a voz embargada. Os psiquiatras pareciam imbatíveis.

»Em seguida, o mediador bradou: “O espaço está aberto!” Sabem quem subiu depois? Os professores? Não! O representante dos magistrados – os juízes de Direito.

»Ele subiu a um degrau mais alto e num gesto de ousadia desferiu palavras que abalaram os ouvintes: “Observem os índices de violência! Eles não param de aumentar.

»Os raptos, os assaltos e a violência no trânsito enchem as páginas dos jornais. A agressividade nas escolas, os maus-tratos infantis, a discriminação racial e social fazem parte da nossa rotina. Os homens amam os seus direitos e desprezam os seus deveres.”

»Os ouvintes menearam a cabeça, concordando com os argumentos. Em seguida, o representante dos magistrados foi mais contundente: “O tráfico de drogas movimenta tanto dinheiro como o petróleo. Não há como extirpar o crime organizado. Se vocês querem segurança, aprisionem-se dentro das vossas casas, pois a liberdade pertence aos criminosos. Sem os juízes e os advogados, a sociedade esfacela-se. Por isso, declaro que, com o apoio dos advogados e do aparelho policial, representamos a classe mais importante da sociedade.”

»Todos engoliram em seco estas palavras. Elas perturbavam os ouvidos e queimavam a alma. Mas pareciam incontestáveis. Outro momento de silêncio, agora mais prolongado. Em seguida, o mediador, já a suar frio, disse: “O espaço está novamente aberto!”

»Um outro representante mais intrépido subiu a um degrau mais alto da torre. Sabem quem foi desta vez? Os educadores? Não!

»Foi o representante das forças armadas. Com uma voz vibrante e sem delongas, ele discursou: “Os homens desprezam o valor da vida. Eles matam-se por muito pouco. O terrorismo elimina milhares de pessoas. A guerra comercial mata milhões de fome. A espécie humana esfacelou-se em dezenas de tribos. As nações só se respeitam pela economia e pelas armas que possuem. Quem quiser a paz tem de se preparar para a guerra. Os poderes económico e bélico, e não o diálogo, são os factores de equilíbrio num mundo espúrio.”

»As suas palavras chocaram os ouvintes, mas eram inquestionáveis. Em seguida, ele concluiu: “Sem as forças armadas, não haveria segurança. O sono seria um pesadelo. Por isso, declaro, quer se aceite ou não, que os homens das forças armadas não são apenas a classe profissional mais importante, mas também a mais poderosa.” A alma dos ouvintes gelou. Todos ficaram atónitos.

»Os argumentos dos três oradores eram fortíssimos. A sociedade tinha-se tornado um caos. As pessoas de todo o mundo, perplexas, não sabiam que atitude tomar: se aclamavam um orador ou se choravam pela crise da espécie humana, que não honrou a sua capacidade de pensar.

»Ninguém mais ousou subir à torre. Em quem votariam? Quando todos pensavam que a disputa estava encerrada, ouviu-se uma conversa na base da torre. De quem se tratava? Desta vez eram os professores. Havia um grupo deles da pré-primária, do ensino básico, do secundário e do universitário. Eles estavam encostados à torre e dialogavam com um grupo de pais. Ninguém sabia o que estavam a fazer. As câmaras de televisão focaram-nos e projectaram a sua imagem numa grande tela. O mediador gritou para que um deles subisse à torre. Eles recusaram-se.

»O mediador provocou-os: “Há sempre cobardes numa disputa.” Houve risos no estádio. Fizeram troça dos professores e dos pais.

»Quando todos pensavam que eles eram frágeis, os professores, com o incentivo dos pais, começaram a debater as ideias apresentadas, permanecendo no mesmo lugar. Todos se faziam representar.

»Um dos professores, olhando para o alto, disse ao representante dos psiquiatras: “Nós não queremos ser mais importantes do que vocês. Apenas queremos ter condições para educar a emoção dos nossos alunos, formar jovens livres e felizes, para que eles não adoeçam e sejam tratados por vocês.” O representante dos psiquiatras recebeu um golpe na alma.

»Em seguida, um outro professor, que estava no lado direito da torre, olhou para o representante dos magistrados e disse: “Nunca tivemos a pretensão de ser mais importantes do que os juízes. Desejamos apenas ter condições para lapidar a inteligência dos nossos jovens, fazendo-os amar a arte de pensar e aprender a grandeza dos direitos e dos deveres humanos. Assim, esperamos que nunca se sentem no banco dos réus.” O representante dos magistrados tremeu na torre.

»Uma professora, do lado esquerdo da torre, aparentemente tímida, encarou o representante das forças armadas e falou poeticamente: “Os professores de todo o mundo nunca desejaram ser mais poderosos nem mais importantes do que os membros das forças armadas. Desejamos apenas ser importantes no coração das nossas crianças. Almejamos levá-las a compreender que cada ser humano não é apenas um número na multidão, mas um ser insubstituível, um actor único no teatro da existência.”

»A professora fez uma pausa e completou: “Assim, eles apaixonar-se-ão pela vida e, quando detiverem o controlo da sociedade, nunca farão guerras, sejam guerras físicas que tiram o sangue, sejam comerciais que tiram o pão. Pois cremos que os fracos usam a força, mas os fortes usam o diálogo para resolver os seus conflitos. Cremos ainda que a vida é a obra-prima de Deus, um espectáculo que nunca deve ser interrompido pela violência humana.”

»Os pais deliraram de alegria com estas palavras. Mas o representante do sistema judicial quase caiu da torre.

»Não se ouvia um zumbido na plateia. O mundo ficou perplexo. As pessoas não imaginavam que os simples professores, que viviam no pequeno mundo das salas de aula, fossem tão sábios. O discurso dos professores abalou os líderes do evento.

»Vendo ameaçado o êxito da disputa, o mediador do evento disse arrogantemente: “Sonhadores! Vocês vivem fora da realidade!” Um professor destemido bradou com sensibilidade: “Se deixarmos de sonhar, morreremos!”

»Sentindo-se questionado, o organizador do evento pegou no microfone e foi mais longe na sua intenção de ferir os professores: “Quem se importa com os professores actualmente? Comparem-se com as outras profissões. Vocês não participam das reuniões políticas mais importantes. A imprensa raramente os noticia. A sociedade pouco se importa com a escola. Olhem para o salário que vocês recebem no final do mês!” Uma professora fitou-o e disse-lhe com segurança: “Não trabalhamos apenas pelo salário, mas pelo amor dos seus filhos e de todos os jovens do mundo.”

»Irado, o líder do evento gritou: “A sua profissão será extinta nas sociedades modernas. Os computadores estão a substituí-los! Vocês não são dignos de estar nesta disputa!”

»A plateia, manipulada, mudou de lado. Condenaram os professores. Exaltaram a educação virtual. Gritaram em coro: “Computadores! Computadores! Fim dos professores!” O estádio entrou em delírio repetindo esta frase. Sepultaram os mestres. Os professores nunca tinham sido tão humilhados. Golpeados por estas palavras, resolveram abandonar a torre. Sabem o que aconteceu?

»A torre desabou. Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que seguravam a torre. A cena foi chocante. Os oradores foram hospitalizados. Os professores tomaram então outra atitude inimaginável: abandonaram, pela primeira vez, as salas de aula.

»Tentaram substituí-los por computadores, dando uma máquina a cada aluno. Usaram as melhores técnicas de multimédia. Sabem o que aconteceu?

»A sociedade desabou. As injustiças e as misérias da alma aumentaram mais ainda. A dor e as lágrimas expandiram-se. A prisão da depressão, do medo e da ansiedade atingiu grande parte da população. A violência e os crimes multiplicaram-se. A convivência humana, que já era difícil, tornou-se intolerável. A espécie humana gemeu de dor. Corria o risco de não sobreviver...

»Estarrecidos, todos compreenderam que os computadores não conseguiam ensinar a sabedoria, a solidariedade e o amor pela vida. O público nunca pensara que os professores fossem os alicerces das profissões e o sustentáculo do que é mais lúcido e inteligente em nós. Descobriu-se que o pouco de luz que entrava na sociedade vinha do coração dos professores e dos pais que arduamente educavam os seus filhos.

»Todos compreenderam que a sociedade vivia uma longa e nebulosa noite. A ciência, a política e o dinheiro não a conseguiam superar. Perceberam que a esperança de um belo amanhecer repousa sobre cada pai, cada mãe e cada professor, e não sobre os psiquiatras, os juízes, os militares, a Imprensa...

»Não importa se os pais moram num palácio ou numa zona degradada, e se os professores dão aulas numa escola sumptuosa ou pobre – eles são a esperança do mundo.

»Perante isto, os políticos, os representantes das classes profissionais e os empresários fizeram uma reunião com os professores em cada cidade de cada nação. Reconheceram que tinham cometido um crime contra a educação. Pediram desculpa e rogaram que eles não abandonassem os seus filhos.

»Em seguida, fizeram uma grande promessa. Afirmaram que metade do orçamento que gastavam com armas, com o aparato policial e com a indústria dos tranquilizantes e dos anti-depressivos seria investida na educação. Prometeram resgatar a dignidade dos professores, e dar condições para que cada criança da Terra fosse nutrida com alimentos no seu corpo e com o conhecimento na sua alma. Nenhuma delas ficaria mais sem escola.

»Os professores choraram. Ficaram comovidos com tal promessa. Há séculos que eles esperavam que a sociedade acordasse para o drama da educação. Infelizmente, a sociedade só acordou quando as misérias sociais atingiram patamares insuportáveis.

»Mas, como sempre trabalharam como heróis anónimos e sempre amaram cada criança, cada adolescente e cada jovem, os professores resolveram voltar para a sala de aula e ensinar cada aluno a navegar nas águas da emoção.

»Pela primeira vez, a sociedade colocou a educação no centro das suas atenções. A luz começou a brilhar depois da longa tempestade... Ao fim de dez anos, os resultados apareceram e, vinte anos depois, todos ficaram boquiabertos.

»Os jovens já não desistiam da vida. Já não havia suicídios. O uso de drogas dissipou-se. Quase já não se ouvia falar de transtornos psíquicos e de violência. E a discriminação? O que era isso? Já ninguém se lembrava do seu significado. Os brancos abraçavam afectuosamente os negros. As crianças judias dormiam em casa de crianças palestinas. O medo dissolveu-se, o terrorismo desapareceu, o amor triunfou.

»As prisões tornaram-se museus. Os polícias tornaram-se poetas. Os consultórios de psiquiatria esvaziaram-se. Os psiquiatras tornaram-se escritores. Os juízes tornaram-se músicos. Os advogados tornaram-se filósofos. E os generais? Descobriram o perfume das flores, aprenderam a sujar as suas mãos para as cultivar.

»E os jornais e as televisões do mundo? O que noticiavam, o que vendiam? Deixaram de vender mazelas e lágrimas humanas. Vendiam sonhos, anunciavam a esperança...

»Quando se tornará esta história realidade? Se todos sonharmos este sonho, um dia ele deixará de ser apenas um sonho.»
FIM

Aos meus filhos - Liliana, Leonor e Leonardo - desejo, se não tiverem um pai brilhante, que tenham professores fascinantes como eu tive alguns (e tenho, ainda).

Grato,
L.P.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

QUEM TUDO SABE, NADA APRENDE!

Podia muito bem ser de La Palisse, mas não é. Esta expressão lapidar era proferida pelo meu avô António. António ‘Gago’, como era conhecido lá na terra, embora de gago não tivesse nada. Falava como um rouxinol. E com muita sabedoria, também, apesar da sua pouca instrução académica, já que foi obrigado a abandonar o curso de medicina que tanto ambicionava quando se encontrava no segundo ano (naquela altura chamava-se 2ª Classe). Herdara o título do seu avô que era gago, e gostava dele – falo do título, já que do avô nunca lhe perguntei se gostava ou não.

Um belo dia o meu avô saiu-se com esta Lapalissada para um grupo de jovens, que o molestava com abundante verborreia acerca do míldio das videiras, a filoxera, e outras moléstias que atacam as videiras, que atingiu o principal interlocutor como um estalo sem mão. Estariam os “Engenheiros” certamente preocupados com a qualidade futura do precioso néctar que tão boa disposição lhes acabara de proporcionar – o vinho.

Paciente, brincalhão, matreiro, o meu avô foi dando corda à turba de jovens fanfarrões até que, quando viu chegado o momento exacto, como o pescador experiente que dá linha ao peixe até o cansar e subitamente dá o puxão misericordioso, atira à La Palisse cortando cerce a basófia dos melrinhos. (não pude impedir-me agora de pensar no Velho Santiago, de Hemingway, e no quanto pensei no meu avô enquanto lia O Velho e o Mar).

Diz o meu avô:

― Olhai, meus meninos, QUEM TUDO SABE, NADA APRENDE! – e voltou ao trabalho, com o sachito de pena a esfarelar os torrões de terra seca em volta da cepa das videiras.

Ora toma e embrulha! Vai buscar! Sim, senhor! Simplesmente esta singela e espinhosa premissa. Como uma rosa. Os espinhos foram com eles, cravados na alma. A rosa ficou comigo, plantada no meu coração (e deixem-me que lhes confesse, colocando de lado a modéstia a qual, sendo falsa, é pecado, que nos trinta anos que se seguiram, essa rosa já se reproduziu formando um jardim agradavelmente belo).

A expressão saiu seca, como um míssil atingiu sem desvios o alvo certo e produziu de imediato os estragos necessários. A turba dispersou, cabisbaixos. (à noite vi-os a jogar matraquilhos, divertidos. Já se haviam esquecido do sucedido, provavelmente – mas eu não).

Agora vejam só. Se alguma vez eu imaginava, naquele tempo, que iria necessitar tanto daquelas sábias palavras do meu avô no futuro. Não podia imaginar. Mas sim! Tenho essa necessidade, sim.

Não raro tenho que aturar pacientemente a presunção de gente que julga tudo saber. Hoje foi um desses dias. Daí a necessidade deste desabafo.

Cada vez mais me congratulo de ser ignorante. Ah! o prazer que me dá aprender!...

Obrigado Avô!...
L.P.

domingo, 11 de novembro de 2007

Acróstico das Castanhas!



Cortadas e assadas com sal
Assim se devem comer
Sempre quentinhas, a ferver
Temperadas e embrulhadas em jornal;
Acompanhadas com vinho
Ninguém passa sem elas
Hoje no São Martinho
Ao luar ou à luz das velas.
São castanhas, são castanhas pois então!

Dedico este acróstico ao meu Papá (L.P.) com muito carinho,

Liliana Almeida

1º Semaniversário do Eclectíssimo

Completa-se dentro de alguns minutos o primeiro “semaniversário” do blogue.
Estou bastante satisfeito com o resultado. As reacções foram positivas. Todos, sem excepção, me congratularam pela iniciativa e muitos manifestaram interesse em colaborar. Conto com todos.
Muitos terão ficado com a sensação de que, durante uma semana, o anfitrião nada fez constituindo, por isso, um péssimo exemplo para os convidados. Mas não é verdade. Tenho trabalhado muito na investigação e aquisição de conhecimentos no tratamento de código HTML para conseguir adicionar elementos personalizados ao blogue, dos quais o Pesquisador Google é um exemplo (mas há mais embora não visíveis). A recolha e tratamento de material pedagógico (para além do que já está editado) ocupa-me, igualmente, muito tempo.
Obrigado a todos.
L.P.

domingo, 4 de novembro de 2007

Fernando Pessoa

A colocação de uma foto (desenho) de Fernando Pessoa neste Blogue prende-se com o facto de eu recentemente ter estudado, ainda que superficialmente, esta personalidade misteriosa e criadora de mitos, que tantos intelectuais tem ocupado, e há-de ocupar por muitos e muitos anos, sem no entanto nos terem apresentado até hoje uma teoria redutora do seu pensamento, e por ela ter ficado inefavelmente fascinado.

Sobre Fernando Pessoa há teorias, não Teoria. Mas acredito que ele tinha uma Teoria.

Afirmar que Fernando Pessoa era ecléctico será, para os intelectuais, uma heresia. Mas eu não sou um intelectual, sou ignorante e, como tal, tenho direito ao erro.

Por outro lado se analisarmos a definição de «Eclectismo» avançada pela Diciopédia X, da Porto Editora, «atitude dos filósofos que pretendem elaborar doutrina própria, fundindo num todo, que desejam coerente, o que se lhes afigura mais valioso de entre as teses de diversos sistemas» talvez cheguemos à conclusão que não será um ‘pecado’ assim tão grande afirmar que Fernando Pessoa era um “Eclectíssimo” Senhor.

Deixo para mais tarde considerações mais profundas e aguardo que, ao longo do tempo, outras participações me apresentem, seja através de reflexões pessoais seja com base em conhecimentos científicos, outras perspectivas, outras interpretações, enfim, outros conhecimentos.

A vantagem da ignorância é o prazer de aprender.

Quanto à imagem escolhida passo a explicar.

Das muitas centenas de fotos que se encontram disponíveis no infindável mundo ‘internético’ (salvo os respectivos direitos autoriais, obviamente) decidi escolher esta caricatura (cujo autor desconheço) por vários motivos:

  1. Sendo uma caricatura a imagem transcende a personalidade que representa, e congrega todo o universo daqueles que se identificam, quer física quer intelectualmente, com Fernando Pessoa;
  2. Porque é a mais feia (como eu) que encontrei;
  3. Representa um F.P. narigudo (como eu), magro (como eu), com óculos (como eu) e é cinzenta (como eu).

Termino com uma pérola pessoana. O poema «Quando as crianças brincam» datado de 5 de Setembro de 1933.

«Quando as crianças brincam

E eu as oiço brincar,

Qualquer coisa em minha alma

Começa a se alegrar.

E toda aquela infância

Que não tive me vem,

Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,

E quem serei visão,

Quem sou ao menos sinta

Isto no coração.»

Se leram até aqui merecem que os saúde e os cumprimente.

Obrigado,

L.P.

sábado, 3 de novembro de 2007

Semente ao Vento!...

Dedico este meu Blogue a todos aqueles que se interessam por saber mais e gostam de partilhar a sua cultura.
Não sei o que se vai desenvolver a partir deste momento. É como quem atira uma semente ao vento e não sabe onde ela vai parar nem a qualidade da planta que dela vai germinar... se germinar!
Desejo, por isso, a quantos visitem este espaço que colaborem com carinho no seu bom desenvolvimento.
Obrigado a todos...
L.P.