Há cerca de um ano e meio comprei alguns livros de um psiquiatra, psicoterapeuta e escritor brasileiro, de seu nome Augusto Cury. Era para mim totalmente desconhecido mas, ao ler a sinopse de um deles na contracapa, fiquei de imediato curioso. Esse mesmo li-o de um fôlego. Só o título prometia. Normalmente eu desconfio sempre desses títulos-manchete apelativos que prometem muito mas não dão nada. Este não foi o caso.
O livro intitula-se “Pais Brilhantes, Professores Fascinantes” e, garanto-lhes, dá-nos muito mais do que promete. É ler para crer. No final do livro o autor conta-nos uma história que eu, correndo o risco de violar os direitos de Copyright (*), transcrevo na íntegra para aqueles que se interessam pelo tema da educação.
(*) A editora (Pergaminho) e o autor permitem o uso do texto da “Grande Torre” para encenação teatral nas escolas, Com o objectivo de homenagear os pais e os mestres, desde que citada a fonte. (N. do A.)
A Grande Torre
«Num tempo não muito distante do nosso, a humanidade de tornou-se tão caótica que os homens fizeram um grande concurso. Eles queriam saber qual a profissão mais importante da sociedade. Os organizadores do evento construíram uma grande torre dentro de um enorme estádio, com degraus de ouro cravejados de pedras preciosas. A torre era belíssima. Chamaram a imprensa mundial, a televisão, os jornais, as revistas e as rádios para realizarem a cobertura do acontecimento.
»O mundo estava de olhos no evento. No estádio, pessoas de todas as classes sociais comprimiam-se para ver a disputa de perto. As regras eram as seguintes: cada profissão era representada por um ilustre orador. O orador deveria subir rapidamente a um degrau da torre e fazer um discurso eloquente e convincente sobre os motivos pelos quais a sua profissão era a mais importante da sociedade moderna. O orador tinha de permanecer na torre até ao final da disputa. A votação era mundial e pela Internet.
»Nações e grandes empresas patrocinavam a disputa. A categoria vencedora receberia prestígio social, uma grande soma em dinheiro e subsídios do governo. Estabelecidas as regras, a disputa começou. O mediador do concurso bradou: “O espaço está aberto!”
»Sabem quem subiu primeiro à torre? Os educadores? Não! O representante da minha classe, a dos psiquiatras.
»Ele subiu à torre e a plenos pulmões proclamou: “As sociedades modernas tornar-se-ão uma fábrica de stress. A depressão e a ansiedade são as doenças do século. As pessoas perderam o encanto pela existência. Muitas desistem de viver. A indústria dos anti-depressivos e dos tranquilizantes tornou-se a mais importante do mundo.” Em seguida, o orador fez uma pausa. O público, atónito, ouvia atentamente os seus argumentos contundentes.
»O representante dos psiquiatras concluiu: “O normal é ter conflitos e o anormal é ser saudável. O que seria da humanidade sem os psiquiatras? Um albergue de seres humanos sem qualidade de vida! Por vivermos numa sociedade doentia, declaro que somos, juntamente com os psicólogos clínicos, os profissionais mais importantes da sociedade!”
»No estádio reinou o silêncio. Muitos na plateia olharam para si mesmos e perceberam que não eram alegres, estavam “stressados”, dormiam mal, acordavam cansados, tinham uma mente agitada, dores de cabeça. Milhões de espectadores ficaram com a voz embargada. Os psiquiatras pareciam imbatíveis.
»Em seguida, o mediador bradou: “O espaço está aberto!” Sabem quem subiu depois? Os professores? Não! O representante dos magistrados – os juízes de Direito.
»Ele subiu a um degrau mais alto e num gesto de ousadia desferiu palavras que abalaram os ouvintes: “Observem os índices de violência! Eles não param de aumentar.
»Os raptos, os assaltos e a violência no trânsito enchem as páginas dos jornais. A agressividade nas escolas, os maus-tratos infantis, a discriminação racial e social fazem parte da nossa rotina. Os homens amam os seus direitos e desprezam os seus deveres.”
»Os ouvintes menearam a cabeça, concordando com os argumentos. Em seguida, o representante dos magistrados foi mais contundente: “O tráfico de drogas movimenta tanto dinheiro como o petróleo. Não há como extirpar o crime organizado. Se vocês querem segurança, aprisionem-se dentro das vossas casas, pois a liberdade pertence aos criminosos. Sem os juízes e os advogados, a sociedade esfacela-se. Por isso, declaro que, com o apoio dos advogados e do aparelho policial, representamos a classe mais importante da sociedade.”
»Todos engoliram em seco estas palavras. Elas perturbavam os ouvidos e queimavam a alma. Mas pareciam incontestáveis. Outro momento de silêncio, agora mais prolongado. Em seguida, o mediador, já a suar frio, disse: “O espaço está novamente aberto!”
»Um outro representante mais intrépido subiu a um degrau mais alto da torre. Sabem quem foi desta vez? Os educadores? Não!
»Foi o representante das forças armadas. Com uma voz vibrante e sem delongas, ele discursou: “Os homens desprezam o valor da vida. Eles matam-se por muito pouco. O terrorismo elimina milhares de pessoas. A guerra comercial mata milhões de fome. A espécie humana esfacelou-se em dezenas de tribos. As nações só se respeitam pela economia e pelas armas que possuem. Quem quiser a paz tem de se preparar para a guerra. Os poderes económico e bélico, e não o diálogo, são os factores de equilíbrio num mundo espúrio.”
»As suas palavras chocaram os ouvintes, mas eram inquestionáveis. Em seguida, ele concluiu: “Sem as forças armadas, não haveria segurança. O sono seria um pesadelo. Por isso, declaro, quer se aceite ou não, que os homens das forças armadas não são apenas a classe profissional mais importante, mas também a mais poderosa.” A alma dos ouvintes gelou. Todos ficaram atónitos.
»Os argumentos dos três oradores eram fortíssimos. A sociedade tinha-se tornado um caos. As pessoas de todo o mundo, perplexas, não sabiam que atitude tomar: se aclamavam um orador ou se choravam pela crise da espécie humana, que não honrou a sua capacidade de pensar.
»Ninguém mais ousou subir à torre. Em quem votariam? Quando todos pensavam que a disputa estava encerrada, ouviu-se uma conversa na base da torre. De quem se tratava? Desta vez eram os professores. Havia um grupo deles da pré-primária, do ensino básico, do secundário e do universitário. Eles estavam encostados à torre e dialogavam com um grupo de pais. Ninguém sabia o que estavam a fazer. As câmaras de televisão focaram-nos e projectaram a sua imagem numa grande tela. O mediador gritou para que um deles subisse à torre. Eles recusaram-se.
»O mediador provocou-os: “Há sempre cobardes numa disputa.” Houve risos no estádio. Fizeram troça dos professores e dos pais.
»Quando todos pensavam que eles eram frágeis, os professores, com o incentivo dos pais, começaram a debater as ideias apresentadas, permanecendo no mesmo lugar. Todos se faziam representar.
»Um dos professores, olhando para o alto, disse ao representante dos psiquiatras: “Nós não queremos ser mais importantes do que vocês. Apenas queremos ter condições para educar a emoção dos nossos alunos, formar jovens livres e felizes, para que eles não adoeçam e sejam tratados por vocês.” O representante dos psiquiatras recebeu um golpe na alma.
»Em seguida, um outro professor, que estava no lado direito da torre, olhou para o representante dos magistrados e disse: “Nunca tivemos a pretensão de ser mais importantes do que os juízes. Desejamos apenas ter condições para lapidar a inteligência dos nossos jovens, fazendo-os amar a arte de pensar e aprender a grandeza dos direitos e dos deveres humanos. Assim, esperamos que nunca se sentem no banco dos réus.” O representante dos magistrados tremeu na torre.
»Uma professora, do lado esquerdo da torre, aparentemente tímida, encarou o representante das forças armadas e falou poeticamente: “Os professores de todo o mundo nunca desejaram ser mais poderosos nem mais importantes do que os membros das forças armadas. Desejamos apenas ser importantes no coração das nossas crianças. Almejamos levá-las a compreender que cada ser humano não é apenas um número na multidão, mas um ser insubstituível, um actor único no teatro da existência.”
»A professora fez uma pausa e completou: “Assim, eles apaixonar-se-ão pela vida e, quando detiverem o controlo da sociedade, nunca farão guerras, sejam guerras físicas que tiram o sangue, sejam comerciais que tiram o pão. Pois cremos que os fracos usam a força, mas os fortes usam o diálogo para resolver os seus conflitos. Cremos ainda que a vida é a obra-prima de Deus, um espectáculo que nunca deve ser interrompido pela violência humana.”
»Os pais deliraram de alegria com estas palavras. Mas o representante do sistema judicial quase caiu da torre.
»Não se ouvia um zumbido na plateia. O mundo ficou perplexo. As pessoas não imaginavam que os simples professores, que viviam no pequeno mundo das salas de aula, fossem tão sábios. O discurso dos professores abalou os líderes do evento.
»Vendo ameaçado o êxito da disputa, o mediador do evento disse arrogantemente: “Sonhadores! Vocês vivem fora da realidade!” Um professor destemido bradou com sensibilidade: “Se deixarmos de sonhar, morreremos!”
»Sentindo-se questionado, o organizador do evento pegou no microfone e foi mais longe na sua intenção de ferir os professores: “Quem se importa com os professores actualmente? Comparem-se com as outras profissões. Vocês não participam das reuniões políticas mais importantes. A imprensa raramente os noticia. A sociedade pouco se importa com a escola. Olhem para o salário que vocês recebem no final do mês!” Uma professora fitou-o e disse-lhe com segurança: “Não trabalhamos apenas pelo salário, mas pelo amor dos seus filhos e de todos os jovens do mundo.”
»Irado, o líder do evento gritou: “A sua profissão será extinta nas sociedades modernas. Os computadores estão a substituí-los! Vocês não são dignos de estar nesta disputa!”
»A plateia, manipulada, mudou de lado. Condenaram os professores. Exaltaram a educação virtual. Gritaram em coro: “Computadores! Computadores! Fim dos professores!” O estádio entrou em delírio repetindo esta frase. Sepultaram os mestres. Os professores nunca tinham sido tão humilhados. Golpeados por estas palavras, resolveram abandonar a torre. Sabem o que aconteceu?
»A torre desabou. Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que seguravam a torre. A cena foi chocante. Os oradores foram hospitalizados. Os professores tomaram então outra atitude inimaginável: abandonaram, pela primeira vez, as salas de aula.
»Tentaram substituí-los por computadores, dando uma máquina a cada aluno. Usaram as melhores técnicas de multimédia. Sabem o que aconteceu?
»A sociedade desabou. As injustiças e as misérias da alma aumentaram mais ainda. A dor e as lágrimas expandiram-se. A prisão da depressão, do medo e da ansiedade atingiu grande parte da população. A violência e os crimes multiplicaram-se. A convivência humana, que já era difícil, tornou-se intolerável. A espécie humana gemeu de dor. Corria o risco de não sobreviver...
»Estarrecidos, todos compreenderam que os computadores não conseguiam ensinar a sabedoria, a solidariedade e o amor pela vida. O público nunca pensara que os professores fossem os alicerces das profissões e o sustentáculo do que é mais lúcido e inteligente em nós. Descobriu-se que o pouco de luz que entrava na sociedade vinha do coração dos professores e dos pais que arduamente educavam os seus filhos.
»Todos compreenderam que a sociedade vivia uma longa e nebulosa noite. A ciência, a política e o dinheiro não a conseguiam superar. Perceberam que a esperança de um belo amanhecer repousa sobre cada pai, cada mãe e cada professor, e não sobre os psiquiatras, os juízes, os militares, a Imprensa...
»Não importa se os pais moram num palácio ou numa zona degradada, e se os professores dão aulas numa escola sumptuosa ou pobre – eles são a esperança do mundo.
»Perante isto, os políticos, os representantes das classes profissionais e os empresários fizeram uma reunião com os professores em cada cidade de cada nação. Reconheceram que tinham cometido um crime contra a educação. Pediram desculpa e rogaram que eles não abandonassem os seus filhos.
»Em seguida, fizeram uma grande promessa. Afirmaram que metade do orçamento que gastavam com armas, com o aparato policial e com a indústria dos tranquilizantes e dos anti-depressivos seria investida na educação. Prometeram resgatar a dignidade dos professores, e dar condições para que cada criança da Terra fosse nutrida com alimentos no seu corpo e com o conhecimento na sua alma. Nenhuma delas ficaria mais sem escola.
»Os professores choraram. Ficaram comovidos com tal promessa. Há séculos que eles esperavam que a sociedade acordasse para o drama da educação. Infelizmente, a sociedade só acordou quando as misérias sociais atingiram patamares insuportáveis.
»Mas, como sempre trabalharam como heróis anónimos e sempre amaram cada criança, cada adolescente e cada jovem, os professores resolveram voltar para a sala de aula e ensinar cada aluno a navegar nas águas da emoção.
»Pela primeira vez, a sociedade colocou a educação no centro das suas atenções. A luz começou a brilhar depois da longa tempestade... Ao fim de dez anos, os resultados apareceram e, vinte anos depois, todos ficaram boquiabertos.
»Os jovens já não desistiam da vida. Já não havia suicídios. O uso de drogas dissipou-se. Quase já não se ouvia falar de transtornos psíquicos e de violência. E a discriminação? O que era isso? Já ninguém se lembrava do seu significado. Os brancos abraçavam afectuosamente os negros. As crianças judias dormiam em casa de crianças palestinas. O medo dissolveu-se, o terrorismo desapareceu, o amor triunfou.
»As prisões tornaram-se museus. Os polícias tornaram-se poetas. Os consultórios de psiquiatria esvaziaram-se. Os psiquiatras tornaram-se escritores. Os juízes tornaram-se músicos. Os advogados tornaram-se filósofos. E os generais? Descobriram o perfume das flores, aprenderam a sujar as suas mãos para as cultivar.
»E os jornais e as televisões do mundo? O que noticiavam, o que vendiam? Deixaram de vender mazelas e lágrimas humanas. Vendiam sonhos, anunciavam a esperança...
»Quando se tornará esta história realidade? Se todos sonharmos este sonho, um dia ele deixará de ser apenas um sonho.»
FIM
Aos meus filhos - Liliana, Leonor e Leonardo - desejo, se não tiverem um pai brilhante, que tenham professores fascinantes como eu tive alguns (e tenho, ainda).
Grato,
L.P.
Aos meus filhos - Liliana, Leonor e Leonardo - desejo, se não tiverem um pai brilhante, que tenham professores fascinantes como eu tive alguns (e tenho, ainda).
Grato,
L.P.
3 comentários:
Olá amigo Paulo!
Quero congratular-te pelo belíssimo e intelectual blogue que não deixarei de visitar periódicamente.
Curiosamente, acabei à um mês de ler o livro que citaste. Gosto deste tipo de literatura! Quiçá não foste tu que me abriste o apetite!
Abraço e até sempre... para não dizer até amanhã!
Sempre amigo
Carlos Silva
Caro amigo Carlos,
É para mim um enorme prazer receber a visita de um amigo no meu Blogue.
Espero apresentar brevemente outros temas do teu agrado. O tema da educação terá sempre um lugar de destaque, pois é a minha grande paixão, como sabes, mas outros como a defesa do ambiente ou os direitos dos cidadãos, a cultura, as artes, enfim, tudo o que for susceptível de contribuir para o bem estar comum será aqui apresentado.
Este espaço não é só meu, é de todos, daí que te lance desde já este desafio: apresenta-me um trabalho teu para publicação no frontispício do "Eclectíssimo". Conto contigo.
Um abraço amigo,
L.P.
Este será o meu último testemunho no teu blogue... Mas não poderia deixar de manifestar o que penso...
Os teus filhos têm um pai brilhante, duvida do que quiseres mas não te atrevas a duvidar disso. Esperemos que tal venha a ser complementado com bons educadores também, mas nunca duvides do teu valor e do teu poder de inspiração.
Será o tipo de pai que és que vai fazer dos teus filhos um exemplo e será graças a ti que eles reconhecerão os valores correctos e saberão ao que dar valor...sempre...
Desejo-te as maiores felicidades para o futuro, para ti e para a tua família... Se alguma vez precisares de uma palavra amiga... sabes onde encontrá-la...
Adeus...
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