Certo dia, numa aula de Filosofia do Ensino Secundário, o nosso professor saca de um objecto do bolso da sua enorme gabardina, levanta-o acima do nível da cabeça, suspendendo-o na ponta dos dedos da sua mão direita em concha dirigindo-se aos alunos:
— O que é isto? – Perguntou-nos o professor.
— É uma maçã! – Respondeu prontamente um aluno.
— E isto o que é? – Tornou o professor, ostentando agora uma bela laranja que retirara de outro bolso da gabardina, desta vez com a mão esquerda, elevando-a da mesma forma ao nível da maçã.
— Uma laranja, já se vê. – Respondeu o mesmo aluno, com espanto.
— Muito bem. E o que é que ambas têm em comum? – Insistiu o professor, com ar desafiador.
— Ambos são frutos… – Arriscou outro aluno, com um leve trejeito de dúvida.
— Certo. E qual deles é o melhor? – Quis saber o professor, ainda sem ninguém compreender qual era a finalidade daquele inquérito tão inusitado quanto aparentemente despropositado.
— É a laranja. – Voltou a responder o primeiro aluno, timidamente.
— E porque é que é a laranja e não a maçã, o melhor destes dois frutos?! Acaso a maçã não presta? – Picava o professor, com um crescente brilhozinho nos olhos.
— Porque eu gosto mais da laranja. – Volveu o aluno, ganhando confiança.
— Porque ‘tu’ gostas mais, dizes. E só por isso? – Dizendo isto pousou os frutos em cima da sua secretária, aguardando uma resposta, pacientemente.
— Sim. Só por isso. É melhor porque gosto mais dela, ou gosto mais dela porque é melhor, não sei bem. – Respondeu o aluno, ao cabo de vários segundos de relexão infecunda.
— Não sabes bem, claro. – O professor sorriu, triunfante.
E voltando-se para a turma, pergunta de novo:
— Todos acham que a laranja é melhor que a maçã? – Perguntou, pegando em cada um dos frutos, erguendo-os à vez, e voltando a colocá-los sobre a mesa pela ordem que os havia erguido.
Uma aluna do fundo da sala levanta-se e, muito corada, afirma:
— Eu acho que a maçã é muito melhor do que a laranja.
— «A maçã é muito melhor do que a laranja». Muito bem. E porquê? – Insistiu o professor.
— Não sei. – Diz a aluna, baixando a cabeça, envergonhada.
— Não sabes porque nunca tinhas pensado no assunto. É a tua preferência gustativa, o teu paladar, que te levam a responder dessa forma e não de outra. O mesmo se passa com o teu colega.
Cada um de vós é um sujeito diferente e, perante a mesma realidade, têm opiniões antagónicas, ou seja, as vossas opiniões são subjectivas porque emanadas do sujeito.
Agora, pergunto-vos a todos: Objectivamente será possível afirmar qual destes dois frutos, laranja ou maçã, é o melhor?
Os alunos começaram a associar este inquérito com a matéria da aula anterior: “Objectividade versus Subjectividade”. As coisas começavam a fazer sentido. As peças do puzzle iam, finalmente, encaixar-se umas nas outras.
Seria possível afirmar objectivamente se a laranja é melhor do que a maçã ou esta melhor do que aquela?!
Um quarto aluno arrisca a sua sorte, sugerindo:
— É possível, Professor, se os estudarmos objectivamente…
Quando nos preparávamos para entrar no raciocínio do colega, enchendo-nos de certezas e abandonando as dúvidas, eis que o professor ribomba um monumental NÃO!... (acompanhado de um violento murro na mesa – não fosse alguém estar distraído – fazendo rolar os frutos que só pararam no chão) NÃO É POSSÍVEL!...
Gelámos… Silêncio de morte… Voltaram as dúvidas…
O professor continuou, trovejante e fulminante:
— A laranja e a maçã são duas peças de fruta mas de espécies diferentes… (pausa prolongada… a luz regressava ao nosso espírito). Não se pode comparar uma laranja com uma maçã porque são frutos de espécies diferentes. Objectivamente é impossível comparar objectos de diferentes domínios. A laranja pertence a um domínio: o das laranjas e a maçã pertence a outro domínio diferente: o das maçãs, logo não é possível estabelecer uma comparação objectiva entre elas porque nem sequer são oponíveis.
...
Trrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmmmmmmmmmm...
Infelizmente, as pessoas vivem fazendo comparações ou querendo equiparar-se ou equiparar os seus filhos a outros ou a filhos de outros não se apercebendo que são de estirpes diferentes, logo não são comparáveis porque nem sequer são oponíveis.
A paz interior aumentará exponencialmente se cada um assumir sem reservas a sua individualidade: incomparável e irrepetível.
Esta é uma opinião subjectiva, claro…
L.P.
1 comentário:
Foi, é, com agrado que leio o que escreves. Confesso que gosto de mastigar essas palavras, de sentir os sabores e fico assim de papo para o ar olhando o horizonte do sonho.
Comparar o incomparável, é a ponta de um novelo que pode ser tão breve, como o beber da andorinha na superfície da água, ou então como o mergulho profundo da baleia no oceano.
Nesse mar, o caldo de cultura é tão criativo e rico que se erguem sereias que não são peixe nem carne. Assim é ou poderá ser a minha resposta pictórica da subjectividade.
Uma sereia.
A cada um de nós cabe escolher a parte que mais o satisfaz.
P.S.- Para quem estiver ainda a dormir apenas direi que a sereia é um mito, um sonho.
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