terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Comparar o Incomparável!...

Certo dia, numa aula de Filosofia do Ensino Secundário, o nosso professor saca de um objecto do bolso da sua enorme gabardina, levanta-o acima do nível da cabeça, suspendendo-o na ponta dos dedos da sua mão direita em concha dirigindo-se aos alunos:

— O que é isto? – Perguntou-nos o professor.

— É uma maçã! – Respondeu prontamente um aluno.

— E isto o que é? – Tornou o professor, ostentando agora uma bela laranja que retirara de outro bolso da gabardina, desta vez com a mão esquerda, elevando-a da mesma forma ao nível da maçã.

— Uma laranja, já se vê. – Respondeu o mesmo aluno, com espanto.

— Muito bem. E o que é que ambas têm em comum? – Insistiu o professor, com ar desafiador.

— Ambos são frutos… – Arriscou outro aluno, com um leve trejeito de dúvida.

— Certo. E qual deles é o melhor? – Quis saber o professor, ainda sem ninguém compreender qual era a finalidade daquele inquérito tão inusitado quanto aparentemente despropositado.

— É a laranja. – Voltou a responder o primeiro aluno, timidamente.

— E porque é que é a laranja e não a maçã, o melhor destes dois frutos?! Acaso a maçã não presta? – Picava o professor, com um crescente brilhozinho nos olhos.

— Porque eu gosto mais da laranja. – Volveu o aluno, ganhando confiança.

— Porque ‘tu’ gostas mais, dizes. E só por isso? – Dizendo isto pousou os frutos em cima da sua secretária, aguardando uma resposta, pacientemente.

— Sim. Só por isso. É melhor porque gosto mais dela, ou gosto mais dela porque é melhor, não sei bem. – Respondeu o aluno, ao cabo de vários segundos de relexão infecunda.

— Não sabes bem, claro. – O professor sorriu, triunfante.

E voltando-se para a turma, pergunta de novo:

— Todos acham que a laranja é melhor que a maçã? – Perguntou, pegando em cada um dos frutos, erguendo-os à vez, e voltando a colocá-los sobre a mesa pela ordem que os havia erguido.

Uma aluna do fundo da sala levanta-se e, muito corada, afirma:

— Eu acho que a maçã é muito melhor do que a laranja.

— «A maçã é muito melhor do que a laranja». Muito bem. E porquê? – Insistiu o professor.

— Não sei. – Diz a aluna, baixando a cabeça, envergonhada.

— Não sabes porque nunca tinhas pensado no assunto. É a tua preferência gustativa, o teu paladar, que te levam a responder dessa forma e não de outra. O mesmo se passa com o teu colega.
Cada um de vós é um sujeito diferente e, perante a mesma realidade, têm opiniões antagónicas, ou seja, as vossas opiniões são subjectivas porque emanadas do sujeito.
Agora, pergunto-vos a todos: Objectivamente será possível afirmar qual destes dois frutos, laranja ou maçã, é o melhor?

Os alunos começaram a associar este inquérito com a matéria da aula anterior: “Objectividade versus Subjectividade”. As coisas começavam a fazer sentido. As peças do puzzle iam, finalmente, encaixar-se umas nas outras.

Seria possível afirmar objectivamente se a laranja é melhor do que a maçã ou esta melhor do que aquela?!

Um quarto aluno arrisca a sua sorte, sugerindo:

— É possível, Professor, se os estudarmos objectivamente…

Quando nos preparávamos para entrar no raciocínio do colega, enchendo-nos de certezas e abandonando as dúvidas, eis que o professor ribomba um monumental NÃO!... (acompanhado de um violento murro na mesa – não fosse alguém estar distraído – fazendo rolar os frutos que só pararam no chão) NÃO É POSSÍVEL!...

Gelámos… Silêncio de morte… Voltaram as dúvidas…

O professor continuou, trovejante e fulminante:

— A laranja e a maçã são duas peças de fruta mas de espécies diferentes… (pausa prolongada… a luz regressava ao nosso espírito). Não se pode comparar uma laranja com uma maçã porque são frutos de espécies diferentes. Objectivamente é impossível comparar objectos de diferentes domínios. A laranja pertence a um domínio: o das laranjas e a maçã pertence a outro domínio diferente: o das maçãs, logo não é possível estabelecer uma comparação objectiva entre elas porque nem sequer são oponíveis.
...
Trrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmmmmmmmmmm...

Infelizmente, as pessoas vivem fazendo comparações ou querendo equiparar-se ou equiparar os seus filhos a outros ou a filhos de outros não se apercebendo que são de estirpes diferentes, logo não são comparáveis porque nem sequer são oponíveis.

A paz interior aumentará exponencialmente se cada um assumir sem reservas a sua individualidade: incomparável e irrepetível.

Esta é uma opinião subjectiva, claro…
L.P.

sábado, 12 de janeiro de 2008

A sabedoria é o alimento do espírito!...

Anda, meu Silva, estuda-m'aleção,
Vêsse-te instruz, rapaj, qu'ainstrução
É dosprito upão!
Ou querch ficar pra sempre inguenorantão?

Poin os olhos no Silva, teu irmão.
Pensas talvês que não le custou, não?
Mas com'é qu'êl foi pdir aumentação
au patrão?

E tinh' rrazão...
Poema de Alexandre O’Neil

«Os animais, que não têm senão o seu corpo para conservar, ocupam-se continuamente na procura de alimentos; mas os homens, de quem a principal parte é o espírito, deveriam empregar os seus principais cuidados na procura da sageza, que é o seu verdadeiro alimento (…)».
René Descartes
E não engorda...
L.P.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O MONGE E O ESCORPIÃO

Certo dia um Monge tibetano, que passeava nas margens do Rio Bramaputra, reparou num escorpião que caíra à água adivinhando-se-lhe como certa a morte por afogamento nas águas profundas e gélidas do rio. Com pena da pobre criatura, o Monge pegou nela e, com cautela, com toda a gentileza, colocou-a em terra, devolvendo-a ao seu habitat. Enquanto procede ao salvamento, o escorpião afinfa uma valente ferroada no santo homem. E foi ela tão violenta que homem começa a chorar de dor.

Não muito longe dali passava um jovem que observou a cena desde o seu começo. Espantado, deteve-se para ver o desfecho, curioso.

Transido de dor, após a ferroada, o Monge dirige-se ao escorpião nestes termos: – Eu quis salvar-te, e salvei-te. É esta a minha recompensa? Apesar de tudo, cumpri o meu dever.

Ditas estas palavras o homem pôs-se a seguir o animal com o olhar, e qual não é o seu espanto quando o vê dirigir-se de novo para o curso do rio, caindo e afundando-se nele pela segunda vez.
Uns quantos metros atrás o jovem observador continuava a assistir a tudo, sem se mover ou proferir uma palavra. Observava, apenas.

Apesar de ainda não estar totalmente recomposto da dor da ferroada, o Monge não resistiu ao impulso e foi uma vez mais em socorro do escorpião ao mesmo tempo que lhe dirigia as seguintes palavras: – Ah, pobre criatura, uma vez mais o sofrimento te apoquenta. Tenho pena de ti.

Acto contínuo, pegou uma vez mais no escorpião colocando-o em terra firme e segura. Escusado seria dizer que, uma vez mais, o animal ferrou o santo homem que acabava de o salvar da morte certa pela segunda vez consecutiva em poucos minutos. E desta vez a ferroada foi muito mais violenta do que a primeira. O homem gritou bem alto com tão tremenda dor.

Não se contendo mais, o jovem observador abandona a sua vigília e dirige-se ao local entabulando com o Monge o seguinte diálogo:

JOVEM: – Você é um tolo! Ou está louco?! Porque fez isso? Da primeira vez, errou, e da segunda, repetiu o mesmo erro.

MONGE: – Meu amigo, o que posso fazer? A minha natureza é amar, a minha natureza é salvar. A natureza do escorpião é odiar, a natureza do escorpião é ferrar. Eu tenho de seguir a minha própria natureza e o escorpião tem de seguir a sua própria natureza. Não permitirei que a sua natureza altere a minha natureza. Se ele cair à água outra vez, eu tirá-lo-ei, não importando quantas vezes ele venha a cair. Serei picado, chorarei, lamentarei; mas não negarei a minha natureza, que é amar, salvar e proteger os outros.

Ao ouvir estas palavras o jovem ajoelha-se diante do Monge, toca-lhe os seus pés e diz-lhe:

JOVEM: – O senhor é o meu Mestre, o meu Guru. Eu tenho procurado, ansiado por um Guru. Hoje, encontro no senhor o meu verdadeiro Guru. E como sou seu discípulo, de agora em diante, se o escorpião cair ao rio, serei eu quem vai salvá-lo e colocá-lo de volta em terra.

(Ditas aquelas palavras, o jovem discípulo, prosternado, canta uma oração em frente do seu Mestre.)

(Enquanto o jovem cantava, o Monge escutava-o e seguia o escorpião com os seus olhitos atentos. O Guru, agora sentado na margem, observa a cena. Ao cabo de alguns minutos, o escorpião cai outra vez ao rio. O discípulo apressa-se a ir em seu socorro, como prometera ao seu Mestre. Lança-se ao rio, pega no escorpião e põe-o em terra firme, mas o escorpião não o fere. Ao contrário do que havia feito com o velho Monge, por duas vezes, ao jovem discípulo o escorpião não deu uma ferroada.)

JOVEM: – Como pode ser isto, Mestre? Eu não fui ferido. Pensei que eu também seria picado pelo escorpião. O senhor foi ferido impiedosamente duas vezes. Eu não entendo.

MONGE: – Meu bom rapaz, tu não entendes? Tenho que te dizer? Tu acreditarás em mim?

JOVEM: – Por favor, por favor, diga-me. Eu acreditarei no senhor, Mestre.

MONGE: – O escorpião também tem uma alma, e essa alma disse-lhe que, se ele te picasse, ao invés de colocá-lo em terra, tu o matarias imediatamente. O escorpião sabia que tu não aceitarias aquilo, que não irias tolerar a sua ingratidão. De ti, o escorpião não obteve qualquer garantia de segurança. O escorpião não te picou porque sentiu isso. No meu caso, a alma do escorpião sabia que eu jamais o mataria, independente de quantas vezes ele me picasse; eu apenas pegaria nele e o colocaria em terra, para sua segurança.

(No dia-a-dia, as pessoas também lutam, discutem e ameaçam outras apenas quando percebem que os seus opositores são fracos ou não querem lutar. Mas, caso vejam que alguém é mais forte do que elas, então ficam caladas.)

JOVEM: – Mestre, o senhor tem discípulos?

MONGE: – Tenho muitos, muitos discípulos.

JOVEM: – O que é que o senhor faz com eles?

MONGE: – Eu dou e recebo, recebo e dou. Recebo o seu veneno todos os dias, e dou-lhes néctar, em troca. Recebo a sua aspiração e dou-lhes realização. Recebo deles o que eles têm, ignorância, e dou-lhes o que eu tenho, sabedoria. Eles dão-me a garantia da minha manifestação e eu dou-lhes a garantia da sua realização. Nós necessitamos um do outro. Tu precisas de mim para poderes esvaziares-te – esvaziar a tua impureza, imperfeição, obscuridade e ignorância, – em mim. E eu preciso de ti para poder encher-te com o meu todo, com tudo que há no meu interior. Assim é como completarmo-nos um ao outro. A tua natureza é dar-me o que tens: impureza, obscuridade, imperfeição, limitação, apego e morte. A minha natureza é dar-te o que eu tenho: pureza, amor, alegria, luz, beatitude e perfeição. Quando a tua natureza entra na minha natureza e a minha natureza entra na tua natureza, ambos somos totalmente completos.

Assim seja…
L.P.